Os pais não podem se tornar reféns dos próprios filhos

Mario Sergio Cortella conta uma história que passou com sua filha para ilustrar uma provocação de que os pais não devem se tornar reféns dos próprios filhos. Veja abaixo a transcrição da fala de Cortella.

“Minha filha Carol mora em Florianópolis, é mãe de dois dos meus netos, tem 37 anos e escreveu o prefácio de meu livro “Qual é a tua obra?”. Quando ela tinha 17 anos, em uma sexta-feira, eu cheguei do serviço às 11 horas da noite e encontrei ela saindo de casa:

– Aonde você vai, filha?

– Vou pra balada, pai.

– Você tá louca! São Paulo é uma cidade perigosa. Você não vai não.

– Eu tenho direito.

– Se você tem direito, eu tenho o dever de cuidar de você. Nem a legislação admite que você saia sem consequências. Se você sai, e acontece alguma coisa, eu vou ter que sair pra poder resolver. E se eu vou ter que sair, então você já fica aqui.

– Eu não vou ficar!

– Vai ficar sim, porque você está subordinada a mim. Eu não sou seu dono, mas sou o responsável por você, portanto, não admito que você saia.

– Então eu vou me mat*r!

Eu a conhecia. Convivia com ela, às vezes conversávamos e ouvíamos música juntos, como acontece até hoje. Perguntei:

– Como você vai se mat*r?

– Vou pular daqui.

Morávamos no 11º andar de um prédio. Eu tinha medo de que ela pulasse? Sim, obviamente. Eu tinha pânico? Não. Medo e pânico são coisas distintas: medo é estado de alerta, e o pânico é incapacidade de ação. Por exemplo, há várias pessoas que lidam com a saúde de outras, então as primeiras precisam ter medo de fazer algo errado. Há pessoas que trabalham com segurança pública, algo que faz com que elas tenham medo, mas elas não podem ter pânico. Pais e responsáveis têm medo, mas não podem ser reféns de situações em que a criança ou o jovem os ameaçam.

Eu sabia que a Carol não pularia, de acordo com o que eu a conhecia, mas não tinha certeza. No entanto, havia vários fatores que indicavam que ela provavelmente não pularia (família estável, namorado, ausência de dificuldades e de sintomas de depressão etc.), o que fez com que eu não me tornasse refém daquela situação. De fato, não aconteceu nada. Ela apenas ficou emburrada, e eu tive que aguentar – e aguentei. No dia seguinte, nos reaproximamos.

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